Resolvi escrever este relato para compartilhar o porquê não ingiro nada com farinha de trigo. Isso mesmo: tudo que tem farinha de trigo tem glúten. Acho que esta narrativa pode ajudar os amigos, familiares e leitores a entenderem as mudanças drásticas na minha alimentação e outros intolerantes, como eu, poderão se identificar e saber que não estão sozinhos.
Recentemente, fiz uma retrospectiva da minha vida profissional, pois completei 25 anos de carreira como professora. Lá no começo, trabalhava três vezes por semana em dois turnos enquanto ainda fazia faculdade.
Escrevo sobre a jornada profissional, pois ela está intrinsicamente ligada com a forma de me alimentar. Como a minha primeira experiência profissional, assim que terminei o Segundo Grau (era assim que se chamava o Ensino Médio), foi como recepcionista bilíngue em uma agência de turismo e lá eu tinha que levar quentinha, o que me incomodava muito por conta da trabalheira que dava: tinha que acordar bem mais cedo para preparar tudo ou deixar tudo pronto antes de dormir, lembrando que, naquela época, não havia microondas, então o processo era um pouco mais complicado. Sinceramente, não sei o porquê, de fato, isso me incomodava muito, pois levar quentinha é uma coisa normal entre trabalhadores. Pensando bem, talvez a tal da quentinha estivesse associada à minha expectativa de salário e de ambiente de trabalho que estavam totalmente aquém do que imaginava, foi um tanto frustrante para uma jovem sonhadora. Só sei que após um(1) mês de trabalho, pedi as contas e resolvi que não era ali que estava o meu futuro profissional. Entrei para faculdade e após o terceiro período de Letras, consegui o meu primeiro emprego com carteira assinada como professora de Inglês em um colégio particular.
E como falei no início deste texto, trabalhava três dias em dois turnos. Eu me recusava a levar quentinha para o trabalho, que ficava em um bairro residencial. Meu almoço era lanche comprado na cantina (salgados com suco) e para a hora do intervalo comia biscoitos (wafer de chocolate era o meu preferido) ou uma fruta.
Além disso, em casa, no café da manhã eu comia biscoito cream-cracker com requeijão ou manteiga, às vezes pão, leite com Nescau ou Neston e, de vez em quando, farinha láctea. O mesmo para o café da tarde. No intervalo das refeições, comia frutas. Quando estava em casa na hora do almoço, comia de tudo, sempre fui boa para comer legumes e verduras. Mas, como você deve ter notado, minha rotina alimentar, pincipalmente fora de casa, no trabalho e na faculdade, estava recheada de glúten e nos dias de trabalho, o glúten só não entrava no jantar.
Acho que esse cardápio deve ser comum em sua rotina, não é mesmo? Mas esse comum virou um pesadelo para mim, Com o passar do tempo, esse excesso de glúten foi agredindo o meu organismo.
Sempre fui magra, mas a barriga inchada estava lá (rsrsrsrsr), dando um sinal, um pisca alerta, que algo não estava indo bem. Depois dos meus 30 anos, já casada, algo muito esquisito aconteceu: tive uma diarreia que durou 14 dias. Eu, que vivia constipada, tendo que comer mamão ou ameixa para ajudar no trânsito intestinal, passei a tomar chá preto e biscoito água e sal. No almoço, batata amassada com cenoura cozida, sem tempero algum para não irritar a mucosa. Depois de quase 2 semanas nessa situação, que estava me dificultando sair de casa, fui à emergência e tomei antibióticos para infecção intestinal que só passou após 2 dias de uso do medicamento.
Após esse evento, fui investigar junto aos médicos o que aconteceu. Pediram para eu parar com o leite, mas a diarreia continuava a acontecer, de tempo em tempo, mesmo sem a ingestão do leite de vaca. Após exames de colonoscopia e de endoscopia com biópsia do duodeno, foi constatado que o meu intestino delgado estava com alterações inflamatórias, fui diagnosticada com “doença celíaca quiescente”.
“O que isso significa?”, perguntei. “Você não pode comer glúten” – disse o médico. “Nada que tenha “farinha de trigo: biscoito, pão, bolo.”
Sai do consultório triste, cabeça a mil, com um turbilhão de pensamentos. “O que eu vou comer agora? Já sou magra!!”
Bom, fiz o teste: zerei o tal do glúten. Gente!! Cheguei a ganhar uns quilinhos! Acho que o meu organismo deu uma respirada. Fiquei bem melhor e o meu intestino voltou a funcionar bem. Cheguei a ficar com raiva de pão, bolo e biscoito. Até hoje não tenho vontade de comer, pois eu lembro das noites e dias que passei entronizada (você me entende, né?!) no banheiro. Meu intestino tem me agradecido.
Agora, triste foi a adaptação da rotina. Na primeira festa de criança que fui, estava totalmente despreparada por conta da minha nova condição de intolerante ao glúten. Foram 4 horas vendo doces, salgadinhos, pizzas, hamburgueres e o bolo confeitado passarem por mim nas bandejas e eu só na água, lembrando dos meus compromissos, pois precisava seguir firme na dieta para não ter que passar horas do meu dia indo, de tempo em tempo, ao banheiro na semana seguinte. Foi sofrível! Fiquei muito mal-humorada, vendo todo mundo se deliciando e eu lá só olhando!
Isso nunca mais aconteceu!! Passei a levar o meu lanche, fruta, pão de queijo, coisas que eu posso comer, na bolsa, e a me alimentar bem, antes de cada evento que vou.
Minha alimentação mudou muito! Glúten na minha casa agora só mesmo o pão integral que o meu marido não abre mão. Estando em casa, ele come de tudo que eu faço, me acompanha bem, até gosta das minhas receitinhas “gluten free”. Será que é só por amor? (rsrsrsrs), Há quem diga que sim, mas ele até que gostou de adotar uma alimentação mais saudável, pois ele está em forma e até mais jovial. Acabei aprendendo a fazer várias receitas sem glúten e já compartilhei aqui no blog. Veja aqui.
Sem o glúten, você acaba diminuindo a ingestão de açúcar, pois biscoitos e bolos confeitados são muito açucarados. Por conta da minha dieta inicial, acabei evitando o leite de vaca, pois ele colaborou para o desgaste do meu intestino também.
Importante deixar registrado que, como a maioria de vocês sabem, a Letícia, aqui do Bagagem Cultural, é minha irmã gêmea, somos univitelinas, e ela não apresentou os mesmos sintomas que o meu, mas estava sempre se sentindo inchada e, ao comer pão francês, a situação piorava. Após o meu diagnóstico, ela consultou o médico, que sugeriu que ela também evitasse produtos com farinha de trigo, pois tudo indicava que ela seguiria o mesmo caminho que o meu. Ela resolveu tirar o glúten, se sentiu bem e resolveu parar antes que o intestino dela “gritasse”! Já escrevemos sobre nossa relação com a doença autoimune AQUI. Vale à pena conferir.
Agora, coisa linda de se ver e de viver, são os amigos e familiares preocupados com a nossa alimentação, sempre se organizando para oferecer algo sem glúten nas vezes que nos encontramos. Uma prova de carinho e atenção que nos faz muito bem. Nos sentimos incluídas à mesa. Chega a ser emocionante! Somos muito gratas por todo esse carinho recebido!
Lembro da minha sogra estranhando essa minha “dieta”, que na verdade é uma restrição alimentar por conta da saúde. O nome dela é (na verdade era) Jacy. Tem uma receita de cozido maravilhoso dela aqui no blog. Confira aqui. Bom, ela, uma boleira profissional, não entendia por que eu não podia nem provar os bolos maravilhosos que ela fazia. Certa vez ela me disse: “O pão leva trigo e é uma coisa sagrada. Jesus usou o pão na ceia para simbolizar o sacrifício da cruz. O pão é um alimento antigo. Nunca vi ninguém passar mal ou morrer porque comeu pão.” Não havia pensado nisso até aquele dia. De fato, nunca deixei de participar da ceia do Senhor e não passo mal por comer o pedacinho do pão que é compartilhado.
Depois de pesquisar sobre isso, falei com ela que o trigo da época de Jesus não é o mesmo trigo de hoje. Ele foi modificado geneticamente para resistir às pragas, aumentar a produção e poder alimentar um maior número de pessoas. Só que com essa mudança genética, ficou difícil o nosso sistema digestivo digerir esse “novo” alimento criado. Os mais sensíveis, como eu, têm reações paralisantes que nos obriga a ficar entre quatro paredes entronizados; para outros, a pele fica cheia de bolinhas, em outros, há o aumento da gordura abdominal, são variados os sintomas que se confundem com outros diagnósticos. A maioria da população tolera bem esse novo trigo e a indústria de alimentícios agradece. A mudança genética do trigo, deixou os salgados, pizzas, pães e biscoitos mais acessíveis, sendo ele o principal ingrediente ingerido entre a população. Você, leitor que não tem restrição, já observou o que você ingere ao longo do seu dia? Em quantas refeições o glúten aparece? Arrisco a dizer que o glúten está presente em torno de 60% a 80% do alimento que vai à sua boca diariamente. Acertei? Sei disso, pois eu era assim quando estava na casa dos meus 20 anos e, bem provavelmente, estaria neste ritmo alimentar se não fosse o meu intestino pedindo para comer outros alimentos.
E vou te contar: existem muitos outros alimentos. A gente fica viciado em comer glúten, por conta das opções infinitas disponíveis em festas, padarias, eventos sociais. Posso te garantir: há vida sem glúten! É possível ser feliz sem glúten. São até mais nutritivas as inúmeras opções criadas por Deus, frutas, legumes, vegetais, grãos, ovos, proteínas em geral. Muita coisa não tem glúten. É só procurar por opções com um novo olhar.
Espero, com esta narrativa,ter esclarecido algumas dúvidas acerca da possibilidade de viver, de se alimentar sem glúten. Já estou há 10 anos sem glúten! Você pode pensar: “Que vida sem graça, sem um bolinho, um pãozinho, um salgadinho.” Sim, na sua perspectiva pode até ser, mas após este relato, acho que deu para perceber que, para mim, viver sem glúten é vida, vida sem dor intestinal e sem toda a limitação que a acompanha. Ainda bem que eu descobri a intolerância à farinha de trigo! Sou grata a Deus pela Sua criatividade em criar inúmeros outros alimentos e me fazer enxergar diversas possibilidades para me nutrir e manter a minha saúde.
E você? Como é a sua experiência com o glúten?
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(por Patrícia Miranda Medeiros Sardinha, em 02 de fevereiro de 2024).
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Três componentes de alimentos que as pessoas deveriam evitar, independente de alergia ou intolerância: glúten, lactose e açúcar refinado. Várias doenças estão associadas a eles. Não aguento ver pessoas idosas sofrendo com dores nas articulações e enfiando a cara nos doces. E uma outra questão é evitar, melhor tirar de vez se for possível, alimentos ultra processados. Esses nos seduzem ,nos viciam, nos adoecem e nos matam.
Com certeza, Micaele. Nem todos conseguem resistir às propagandas da indústria alimentícia. O corpo, sem esses alimentos inflamatórios, agradece com vitalidade. Obrigada pelo seu comentário.
Um bolinho de aipim pode e é tudo de bom!
Sim!! O seu, então, é especial!! Orgânico e feito com muito amor. Obrigada pelo carinho de sempre, Guacira.
Adorei seu relato! Quando quiser passar lá em casa, pode contar que Rosane e eu sempre estaremos atento ao gluten free! Um abração! Sandro.
Oi, Sandro, fico muito feliz e me sinto abençoada por ter um “chef” (além de professor) tão habilidoso como amigo. Obrigada pelo carinho.
Oi amiga .
Sou intolerante ao glúten e à lactose há mais de 4 anos. A gente se adapta a uma vida de intolerâncias. Não é fácil, mas atualmente os mercados e a Internet têm me ajudado muito com opções de uma alimentação equilibrada. Tem problemas piores de saúde por aí. E tem uma coisa boa que a intolerância nos traz: o amor próprio! Hoje me cuido mais e sou mais seletiva. Aprendi a dizer não para minha compulsão por determinadas comidas. Estou melhor e mais desinchada. Tudo melhorou em minha vida.
Verdade, Valéria. Você trouxe pontos importante “amor próprio” e “ser mais seletiva”. Obrigada pelo seu comentário. Estamos juntas!!
Muito bom! Eu sou prova da dieta que minha esposa Patrícia fez e que participei, minha saúde melhorou muito. Obrigado
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